Bêbados, psicanalistas, sexo e noites insones; Ovos mexidos, diálogos pós-morte e pessoas que têm merda na cabeça; Animais da fazenda, Afrodescendentes cheios de lascívia e pescarias. É isso que você encontra por aqui.

sábado, 13 de junho de 2009 Encontro - Parte 2

"-Pode tentar... Escuta, rapaz, é o seguinte: Você está morto."


-O quê?
-É isso aí.
-Mas assim, de repente?
-É... Olha, ninguém pode prever algo assim--
-Mas eu era tenh-- tinha tanta coisa pra fazer, droga...
-Foi o que eu pensei também, rapaz.
-Então o senhor está m-- Quer dizer, você... Você...
-É... Faz umas 3, 4 horas. No meu quarto, ataque do coração.
-Hmm...
-Mas não havia dor, sabe? Só... Frio. E silêncio, muito silêncio. Achei que tinha ficado surdo, ou algo ass--
-Desculpe, mas o senhor não precisa... Sei lá, cumprir uma agenda... Hmm... "Matar tantos homens, mulheres, crianças" até o jantar com Deus?
-Do que está falando, rapaz?

-Escuta, Sr. Nicholson... Você é o anjo da morte ou algo assim?
-Não, não... Que é isso, rapaz! Eu só... Bem, eu realmente não sei porque estou aqui
.
-Deus me quer morto?
-Escuta: Pára com esse negócio. Eu estar aqui deve ser uma daquelas lições que esses malditos querem que aprendamos: "Somos todos humanos, vivemos até onde der."
-Então, é por isso que um ator de Hollywood vem até a minha casa? Pra me ensinar uma porra de lição?! Por que não me mandam o Tom Hanks? O Danny Devito? Por que não a secretária do meu chefe? Eu poderia estar transando enquanto encontro o fim do túnel branco... Mas tenho que ficar aqui conversando com um babaca que não sabe o quê, mas quer me dizer algo!
-Na minha vez foi mais fácil. Olha aqui, rapaz... Não adianta gritar comigo, com Deus, diabo, Krishna ou seja lá qual for esse sacana. Talvez seja cruel, mas agora já foi. Não dá pra pedir pra voltar...
-Você podia ser meu tetravô! Fala assim porque teve uma vida longa e boa! Eu tenho 23 anos! Eu morri sem sair do meu país! Eu não apareci na TV! Não morei com uma garota! Eu passei uma ano estudando 6 horas por dia pra um careca velho e translúcido sentado no meu vaso dizer que nada do que eu fiz valeu à pena!
-...
-Está aí a sua maldita lição!: "Estamos todos na merda e vamos todos pra merda". Todos. Não importa a cor, o sexo, ou se o seu plano médico é mais caro que o meu!
O velho olha pra você como quem diz: "É isso aí." De fato, é o que ele diz em seguida.

-É isso aí.
-É tudo o que tem pra me dizer?
-É. Na verdade, assim que meu vizinho disse isso, eu pisquei e... Bem, apareci aqui.
-Seu vizinho?
-É, ele morreu.
-Vocês... Conversaram também?
-Muito. -E... Sobre o quê? -Carros, mulheres, bebidas... Ele tinha quase a minha idade, sabe? Nós quase sempre concordávamos em tudo. -Não falaram nada de morte... Religião... O sentido disso tudo? Quero dizer... A vida? -Rapaz, não seja bobo. Eu tentei, mas vim pra cá do mesmo jeito que ele foi até a minha casa: curioso. Quando ele saiu, eu não sabia muito mais do que sabia antes. Apenas algumas coisas sobre Vermute e Gim. Sabia que existe um Dry Martini com cebolinha?
-Escuta. Se nada disso serviu pra nada, quer dizer... Eu vou depois passar algum tempo com um completo estranho pra desaparecer pra sempre? E só?
-Provavelmente, não. Ou eu estaria desperdiçando meu tempo com você. É nesse tipo de momento que você torce para que os muçulmanos estejam certos. 40 virgens...
-É... Mas como é que elas pararam lá? Eles as matam aqui ou sei lá... Tem uma maquininha de fazer virgens?
-... Rapaz, eu é que não vou discutir religião numa hora dessas!
(...)

-Sabe, eu pensei que seria mais difícil.
-Como?
-Aceitar tudo isso... Foi tão rápido, me sinto estranho assim. Parece que eu percebi que levei um microondas estragado e ainda assim continuo pagando as prestações...
-Rapaz... Achei que não iria ser diferente. Mas... Sempre é. Eu tentei subornar o meu, tentei ameaçar minha fé, tentei muitas coisas. Nós estamos aqui há 2 ou três horas. Imagine alguém que acabou de mudar de vida, que passou a vida inteira trabalhando e finalmente ganharia sua recompensa, mas morreu. Imagine alguém que achou um sentido, que achou uma outra pessoa que o completasse, que reencontrou algo que jura que faria sua vida valer à pena, alguém que acabou de começar sua vida. Éramos dois ferrados, tínhamos pouca expectativa. Há aqueles que ficam um dia inteiro conversando com seu fantasma, mensageiro, com o anjo da morte. Mas isso é tudo sem valor. De quê adianta dividir algo que não irá fazer diferença? Experiência não conta quando se está morto. No fim, só resta desaparecer pra sempre. De quê adianta, então?! Bom... Eu não te digo, rapaz. Primeiro, porque é aí que está o mistério da coisa. Segundo, porque você vai ter a sua chance de descobrir, agora...
-Como assim?!? E se eu nã--
-Acalme-se. Nada disso vai adiantar na sua vez. Você terá tanto tempo quanto precisar. E, além do mais, mesmo sendo um jogo sempre diferente, o final é sempre igual: Nós voltamos pra casa e conversamos à respeito.


Assim que terminou a frase, os dois se olham no fundo das suas almas sem-esperança. Se abraçam, sem poder sentir. O tempo se move, e quando os olhos se abrem, você está em pé, na superfície da água. Há uma ponte sobre a sua cabeça e você entende tudo no exato momento. A alma de um suicida se materializa à sua frente. Seu corpo treme, cambaleante e os olhos se viram para cima. A alucinação do último suspiro. Foi como você sentiu. Ele abre os olhos, e depois a boca. Vocês conversam. "Vai ser diferente", você pensa. "Sempre é.". Primeiro, as perguntas dele. A decepção, ao perceber que você não trouxe as respostas, o deixa confuso, agressivo. A sua explicação faz com que ele aceite, como você o fez. Todos sempre aceitam.

"Nota mental: lembrar de esquecer da janela do quarto, do livro, do barulho da rua, dos gatos, ..."

Ao longo das horas, você percebe o sentido. Você entende. Você guarda a lógica para si, apenas pra que ele tenha que descobrí-la por si próprio.

2 comentários:

Caio Jaeger disse...

Diferente. Gostei.

Paulo H. disse...

Diferente tipo petit-gatêau de chocolate com ketchup?